LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIA (LRE)
Da Recuperação Judicial
Introdução
Dimensão privada (busca de lucro v. riscos: câmbio, juros, inflação,...) X dimensão pública da empresa (funçao social).
Embora a finalidade imediata da empresa seja remunerar o capital nela investido, beneficiando os seus sócios quotistas ou acionistas, há um benefício mediato que alcança empregados, fornecedores, consumidores, o Estado. A proteção da empresa, portanto, não é a proteção do empresário ou da sociedade empresária, mas sim a proteção da comunidade que se beneficia – ao menos indiretamente – com a sua manutenção. É preciso preservar a empresa para que ela cumpra a sua função social.
Art. 47 LRE: A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir (1) a manutenção da fonte produtora, (2) do emprego dos trabalhadores e (3) dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo a atividade econômica. (objetivos marcados segundo ordem de prioridade // do particular para o geral e pelo princípio da função social da empresa e pelo princípio da preservação da empresa).
Obs. A Recuperação Judicial deve ser encarada como medida excepcional.
Obviamente que não interessa ao mercado a manutenção de empresas inadimplentes, atrasadas ou mal administradas. Para estas, está reservado o instituto da Falência, com a liquidação dos ativos, o pagamento do passivo e a extinção do mundo jurídico e econômico. Terão o mesmo fim as empresas em crise que buscarem a recuperação judicial, mas não conseguirem desenvolver o plano de reestruturação, hipótese em que o plano de recuperação judicial será convolado em falência.
O instituto da concordata
Previsto no antigo Decreto-Lei nº 7.661/45, restringia-se a remissão de dívidas e dilação de prazos para o pagamento aos credores. A Recuperação Judicial da Lei 11.101/05 prevê um verdadeiro plano de reestruturação, com diversas medidas de ordem financeira, jurídica, econômica e comercial, conferindo efetivas chances de superação da crise. Além disso, na concordata os credores eram meros expectadores, que deveriam contentar-se com a remissão e/ou moratória impostas, ao passo que na Recuperação Judicial têm participação ativa, sendo os responsáveis pela aprovação ou rejeição do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, assim como pela fiscalização do seu cumprimento.
Legitimidade jurídica (legitimitio as causam) (art. 48, p.u. LRE)
Ativa
i. Ordinária
Empresário individual e sociedade empresária
ii. Extraordinária (fundamento: o evento morte)
Empresário individual, sociedade empresária, cônjuge supérstite, herdeiros do devedor, inventariante, ou, ainda, pelo sócio remanescente de sociedade empresária.
Obs. (Deverão ser observados, cumulativamente, os requisitos do art. 48 LRE).
Passiva
A Recuperação Judicial não se amolda confortavelmente a estrutura clássica do Processo Civil, na qual se antepõem autor e réu. Aqui, não há réu.
Momento
Diretamente ou no prazo de defesa/contestação de pedido de falência formulado por um credor (art. 95 LRE).
Requisitos (art. 48 LRE)
Exercer regularmente atividade há mais de 2 anos (apresentação do registro dos atos constitutivos demonstrará a regularidade). (Não seria razoável que, em prazo inferior a este, viesse o devedor a requerer a RJ, o que denotaria acentuada inabilidade na condução da atividade) (Note-se que o legislador não disse estar inscrito há dois anos e sim, estar exercendo há dois anos. O requisito, portanto, não é atendido pelo tempo de registro, mas si pelo tempo de exercício da atividade);
Não ser falido (e se o foi, estarem declaradas extintas por sentença transitada em julgado as responsabilidades decorrentes disso) (A Lei aqui se refere aos sócios de responsabilidade ilimitada que tiveram a falência de uma empresa anterior decretada. Segundo os arts. 81 e 190 da LRE, esses sócios são também considerados falidos);
Não ter, há menos de 5 anos, obtido concessão de Recuperação Judicial (medida de busca evitar a chamada “indústria da Recuperação Judicial);
Não ter, há menos de 8 anos, obtido a concessão de Recuperação Judicial com base no plano especial previsto para ME e EPP (arts. 70 a 72 LRE);
Obs. Os prazos contam-se da data da decisão que concede a Recuperação Judicial, ainda que tenha havido a interposição de agravo contra a decisão concessiva.
Obs. Tal período poderá ser desconsiderado se houve desistência do pedido de RJ (conf. Entendimento jurisprudencial formado sob a égide do Dec.-Lei 7.661/45).
Obs. Plano especial - apenas para créditos quirografários, 36 meses, juros 12% a.a.
ME – Receita bruta anual igual ou menor que R$ 240.000,00.
EPP – Receita bruta anual igual ou menor que R$ 2.400.000,00.
Não ter sido o empresário condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na Lei (aqui, deve entender o mandamento da LRE combinado com o art. 5º, LVII, da CF, o qual reza que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Nesse diapasão, o trânsito em julgado de sentença penal condenatória posterior ao pedido de Recuperação Judicial, não tem o condão de prejudicar o processamento do feito.
Entenda-se por sócio controlador, nas sociedades por ações, aquele que detiver de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da Assembléia e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia.
Entenda-se por sócio controlador, nas sociedades por cotas, aquele que detiver mais de 50% do seu capital social.
Obs. O fato de o devedor possuir títulos ou documentos protestados não obsta a que requeira a Recuperação Judicial, mas sim, caracteriza um a crise de liquidez, o que faz aconselhável o pedido.
Créditos sujeitos ao instituto (art. 49 LRE)
Regra Geral: Estão sujeitos à Recuperação Judicial todos os créditos existentes na data do pedido (vencidos ou vincendos).
Todos aqueles que se tornarem credores da empresa em crise no dia seguinte ao do pedido não poderão integrar o plano de Recuperação Judicial.
i. Convolação em falência: Sem embargo, havendo a convolação desta em falência, os credores que hajam contratado com o devedor em Recuperação Judicial receberão o classificação privilegiada no quadro geral (extra concursais).
ii. Créditos não incluídos no Plano de Recuperação Judicial: Os credores receberão seus créditos segundo a forma originalmente contratada, salvo se forma diversa ficar estabelecida no plano de Recuperação Judicial.
Não se submetem aos efeitos da Recuperação Judicial (não são exigíveis do devedor/exceções a regra geral):
i. Obrigações a título gratuito (nas quais apenas uma das partes aufere vantagem. Ex.: Doações, comodato. Justificativa: se o patrimônio do devedor não é suficiente para arcar com todas as dívidas oriundas das obrigações onerosas, onde há uma contraprestação por parte dos credores, não é justo dissipar parte desse patrimônio com obrigações livres de contraprestação).
ii. Despesas com habilitação ou impugnação do crédito
· Exceção: as custas judiciais decorrentes de litígio do qual o devedor saia vencido poderão ser incluídas na Recuperação Judicial.
Também não se submetem aos efeitos da Recuperação Judicial, prevalecendo os direitos de propriedade e as condições contratuais originárias:
iii. Credores titulares da posição de proprietários fiduciários de bens móveis ou imóveis (Propriedade resolúvel de coisa infungível que o devedor, com o escopo de garantia, transfere ao credor. É a chamada alienação fiduciária. Ex.: O bem adquirido com a carta de crédito em um consórcio, fica na propriedade fiduciária da administradora de consórcio. Apenas com o término do pagamento das parcelas do consórcio, será transferida [resolúvel] para o consorciado).
iv. ...de arrendadores mercantis (leasing) (Aqui tem-se um misto de locação e compra financiada. A Instituição financeira [arrendante] adquire o bem e tranfere a sua posse ao arrendatário, mediante contrprestaçao. Caracterizado pela tríplice opção, pois, poderá o arrendatário: devolver o bem, adquiri-lo ou renovar o arrendamento). Ex.: arrendamento mercantil de veículos; maquinário que compões estabelecimento de uma empresa [recordar conceituação de estabelecimento empresarial], computadores, etc.
v. ...de proprietários ou promitentes vendedores de imóveis cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio. (Pela regra geral, o crédito decorrente de tais negócios seria submetido ao juízo universal, mas, aqui também, o credor tem a vantagem jurídica de conservar-se proprietário do bem, não compondo esse o plano de recuperação e, portanto, não se submetendo a ordem de preferência de pagamentos do art. 83 LRE.
Em todos esses casos, percebe-se a preocupação do legislador com a preservação do direito de propriedade, atendendo a garantia constitucional marcada pelo artigo 5º, inciso XXII CF.
Sem embargo, ainda que não sujeitos a Recuperação Judicial, tais bens, se essenciais a atividade empresarial do devedor, não poderão ser retirados ou vendidos no prazo de 180 dias (a contar do deferimento do processamento da Recuperação Judicial). Logo, em outras palavras, tem-se que tal vedação está circunscrita aos bens de capital [maquinário instrumental] que são aqueles cuja titularidade tem por finalidade específica a produção, por meio de sua utilização. A identificação de tais bens de capital depende da análise do caso concreto, pois, bens considerados de mero deleite em uma empresa, poderão ser considerados essenciais em outra. Ex.: máquinas de café, limusines, etc.
· Justificativa: visa proporcionar ao devedor tempo hábil para a execução de seu plano de recuperação judicial. Assim, os bens essenciais deverão ser conservados, proporcionando condições para real superação da crise, objetivo maior do instituto. Ex.: se a ação ou execução contra o devedor em Recuperação Judicial depender de uma busca e apreensão, tal medida não poderá efetivar-se antes do decurso do prazo de 180 dias.
· Prorrogação do prazo de 180 dias: Por constituir medida grave que ataca frontalmente o direito dos credores, dito prazo será absolutamente improrrogável.
Não se sujeitarão ainda a Recuperação Judicial, os créditos decorrentes de:
vi. Adiantamento de contrato de câmbio para exportação (importância entregue ao devedor por uma instituição financeira, em moeda corrente nacional, como antecipação do valor que a empresa exportadora receberia do importador por ocasião da entrega da mercadoria. Com isso, a empresa exportadora obtém capital imediato para financiar a sua produção. No momento da entrega da mercadoria, o importador pagará diretamente a instituição financeira).
Portanto, para estes prevalece o direito de propriedade e as condições contratuais originárias, uma vez que não integram o plano de recuperação e por conseguinte, as ações e execuções relativas a esse conjunto de credores não se suspendem. Não obstante, como já dito, as medidas que visem a venda ou retirada de bens essenciais a atividade não poderão ser tomadas. Ex: Busca e apreensão. Logo, se a ação ou execução dependerem dessa medida, ficarão suspensas pelo prazo de 180 dias, como forma de possibilitar ao devedor a formulação e execução do plano de recuperação com vistas a superação da crise.
Coobrigados
Os credores da empresa em Recuperação Judicial conservam seus direitos e privilégios contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso, independentemente do que foi planificado pelo devedor para a Recuperação Judicial. Assim, ainda que tenha havido o pedido de Recuperação Judicial, o credor poderá voltar-se contra o coobrigado, fiador ou avalista, em razão da garantia legal de conservação de seus direitos frente a estes.
Pago o credor, o coobrigado sub-roga-se nos seus direitos, assumindo sua posição e passando a integrar o quadro de credores.
Obs. Sem embargo, a Lei ressalta que, durante o prazo de suspensão das ações e execuções contra o devedor, decorrentes do processamento da Recuperação Judicial (180 dias / art. 6º LRE), não poderá haver a venda ou retirada de bens do estabelecimento do devedor se forem indispensáveis ao desenvolvimento da atividade empresarial.