sábado, 22 de novembro de 2008

Triste realidade. Quando a arma substitui o livro

Foto: Google

Reféns do convívio com traficantes instalados em áreas onde quase nenhum serviço público é exercido impunemente, cerca de 70 mil alunos de 200 escolas municipais e estaduais – segundo levantamento do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe) – são obrigadas a dividir o tempo de estudo com o desfile de fuzis, imposições do tráfico e constantes tiroteios entre policiais e bandidos. Em meio a esse embate sem fim de poderes públicos e paralelos, dois homens – um ex-presidiário e um policial civil – preferiram invadir as salas de aula armados com palavras de esperança e histórias que aquelas crianças – mais do que qualquer outra geração – conhecem muito bem.
O Sepe já constatou dificuldades em conseguir professores em escolas situadas em áreas de risco. O Ciep do Morro São João, no Engenho Novo, por exemplo – onde terça-feira foi encontrado um arsenal pela polícia – só tinha aulas à noite porque a prefeitura, para solucionar o problema, impôs determinadas regiões aos professores recém-concursados.
– Todos optam por trabalhar perto de casa, e os recém-concursados são alocados em áreas de risco – conta a coordenadora-geral do Sepe, Vera Nepomuceno. – Mas depois do primeiro ano letivo, preferem ficar nas regiões mais afastadas do que correr risco de morrer.
A Polícia Militar possui um serviço de patrulhamento escolar, mas a Secretaria Municipal de Educação não soube dizer se o serviço é usado. Segundo Vera, vários profissionais de educação vêm sofrendo com depressão, síndrome do pânico e fobias diversas. Vera critica o poder público por manter as escolas abertas durante situações de crise.
– Em momentos assim, nem a polícia entra, sequer o comércio abre. Por que as escolas têm de ficar abertas? – perguntou Vera.

Policial e ex-presidiário juntos
Em pouco mais de um ano, cerca de 3 mil crianças de escolas públicas e privadas puderam ouvir as histórias do ex-presidiário Norton Guimarães, coordenador do Afroreggae, ao lado do policial Beto Chaves, da Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA) – que entra em sala devidamente fardado. O impacto é inevitável. Arredios, meninos e meninas ouvem a história de Norton – ex-assaltante que chegou a ficar 11 anos preso em Bangu 3. O assombro maior, porém, fica com os palestrantes ao notarem o quanto a credibilidade é muito menor – seja em escolas públicas ou particulares – quando é o policial que toma a palavra.
– O Beto sofre muito mais – admite Norton. – A credibilidade do policial deveria ser uma regra, mas é uma exceção. Parece já fazer parte do inconsciente coletivo das crianças.
– É uma inversão de valores completamente inusitada e absurda – contou Beto. – Mas somos sinceros, admitimos a corrupção na polícia, e os jovens acabam entendendo. Damos a ele algo muito raro e simples: esperança.
A inversão de valores é tanta que, certas vezes, a lição parte dos próprios bandidos. Carlos Eduardo Freire Macial, professor de história, conta que certa vez um aluno cobrou a nota de uma prova de forma agressiva, e foi expulso de sala. No dia seguinte, um homem com uma arma na cintura o indagou o que tinha acontecido. A conversa foi acompanhada por todos os alunos da sala, que fizeram um círculo em torno da conversa. O aluno acabou sendo repreendido pelo próprio traficante e o professor escoltado para fora da escola pelos bandidos.
– Nunca mais tive problemas com os alunos. Quando chegava para dar aulas pela manhã, quem abria a porta era um olheiro do tráfico – contou. – Já acompanhei vários alunos que entraram para o tráfico. A gente percebe que fica mais agressivo, pelas roupas mais caras. Meninos bons, com os quais tinha laços afetivos... dá uma tristeza. Uma vez, durante uma aula, estava acontecendo um tiroteio perto do Ciep. De repente, ouvi o barulho de uma granada. Os alunos riam. // Fonte: JB Online

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