Não dá mais para dizer que é um caso isolado. Quando o empresário Marcelo Viana, de 43 anos, e sua namorada, a publicitária Paula Barreto, de 31, foram empurrados para o abismo numa das vistas mais espetaculares do Rio de Janeiro, a Avenida Niemeyer, falou-se mais uma vez que era um caso isolado, típico de psicopatas. Os quatro assaltantes cruéis foram presos. Presos pelo tráfico da Rocinha, que não gostou nada da mídia negativa. Foram espancados pelo tráfico e entregues à polícia.
Essa colaboração também não é um caso isolado. Ela é um escândalo. Dizer que a crueldade dos bandidos não tem mais limite é um clichê. Recomendar à vítima de um assalto que não reaja deixou de ser garantia para escapar com vida. Eles entregaram tudo. Carro, dinheiro, celulares. Não tentaram fugir. Tentar conversar civilizadamente com os assaltantes, como Marcelo fez, pode até irritá-los – como aconteceu. Então o que faz a população? Ir a um restaurante na Lagoa, área nobre do Rio, tem chance de terminar em tragédia, já sabemos. Eles foram rendidos na saída. E poderiam ter morrido. Os assaltantes provavelmente acharam que tinham matado o casal. O empresário se salvou por causa de uma árvore depois de despencar por 10 metros. A publicitária se segurou nas pedras. Deram sorte porque policiais passavam por ali e ouviram os gritos de socorro. O carro deles, batido, estava na subida da Rocinha. O que mais me chamou a atenção na foto do casal não foi o sangue na camiseta de Marcelo nem as escoriações em seu rosto. Foi o olhar vazio de Paula, uma morena bonita, com um top preto de brilho. Um olhar incrédulo, sem raiva nem esperança, sem buscar o porquê.
Poderia ter parado aí, e o casal sobrevivente nem teria chegado aqui, à última página de ÉPOCA. Mais uma manchete policial, com maior destaque porque são ricos. Simples assim. Mas o desfecho não poderia ser convencional, já que o crime não era pé de chinelo. Como assim? Estamos em pleno “choque de ordem” do novo e ativíssimo prefeito Eduardo Paes, estamos em plena campanha para o Rio sediar os Jogos Olímpicos em 2016, e a Rocinha prometera apoiar Paes durante a campanha. O PAC da Rocinha seria então Plano de Aceleração do Crime? Não, isso não podia ficar assim.
A colaboração entre os traficantes e a polícia não é um caso isolado – ela é um escândalo
A polícia mandou uma mensagem expressa ao tráfico. Ou os quatro da Niemeyer aparecem ou a ocupação na Rocinha, 24 horas por dia, não vai ter nada de social. É guerra, “mermão”, “brother”. Menos de 12 horas depois do ato de covardia, os assaltantes foram espancados por traficantes e entregues à polícia. A foto também impressiona. Camisetas coloridas com marcas, Opel, Toyota, todos enfaixados. Três com braços contundidos ou quebrados, um deles com a cabeça toda coberta. Um se contorcia de dor. Eles foram reconhecidos por vítimas de outros crimes. Na mesma noite em que resolveram brincar de arremessar cidadãos de bem no paredão da Niemeyer, tinham começado a tocar o terror às 23h30. Renderam um médico no Catete, levado em seu carro até a outra ponta da cidade. Ali, assaltaram um arquiteto e uma economista. E emendaram com Marcelo e Paula, que saíam do restaurante. Jogaram os dois do penhasco. E foram dormir na Rocinha.
Há duas semanas, um jovem e talentoso fotógrafo do jornal O Dia, André Azevedo, o André AZ, foi morto com três tiros quando voltava para casa à noite, ao fim do expediente. Estava de moto, uma Honda Tornado preta. Provavelmente foi perseguido por assaltantes, acelerou por medo – a tentativa de fuga pode ter contribuído para abortar sua vida, seus projetos, seus sonhos. Duas perfurações no braço esquerdo, uma nas costas, na altura do pulmão. Ele perdeu o controle da direção, bateu numa mureta, caiu na pista do lado contrário e foi atropelado por vários veículos. Os supostos assaltantes de André apareceram mortos em menos de uma semana. Mas o jornal ainda não considera o crime elucidado.
Maldade gratuita, que provoque reportagens, é punida exemplarmente. Os chefões não perdoam os crimes com espalhafato. Se sair em notinha de pé de página, pode até decapitar. Os criminosos leem jornais. E odeiam repercussão. // Fonte: Ruth de Aquino, Revista Época.
terça-feira, 10 de março de 2009
A força policial do tráfico
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