terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Combate contra gangues

Foto: Criminology


ENTREVISTA/Robert M. Lombardo

Não é de se levar na brincadeira a questão do combate contra gangues. Uma economia desindustrializada faz com que jovens com educação precária se mantenham nas gangues na idade adulta, vendo nelas uma fonte de ganhos através do comércio de drogas. Os recursos para o combate às gangues são canalizados para as polícias, e pouco se investe em programas alternativos. No programa de liberdade condicional, a proporção entre inspetores e ex-prisioneiros pode ser de um para 500 e a sociedade civil pouco contribui com fundos para programas. Tudo isso às vésperas da libertação da maior leva de prisioneiros a sair da cadeia na história dos Estados Unidos da América.

Essa avaliação pessimista é de Robert M. Lombardo, um oficial de polícia que atuou por 30 anos em Chicago e que nos últimos 10 anos tem realizado pesquisa acadêmica. "Entre 1920 e 1980 podíamos dizer que gangues era coisa de adolescentes desocupados fazendo algazarras pelas esquinas, mas o comércio das drogas trouxe mudanças", diz. Ele põe em foco a meta de elevar o nível das investigações policiais: "É fácil prender peixinhos pequenos, e esses são igualmente fáceis de substituir. As gangues podem ser desmanteladas se pegarmos os chefões."

Lombardo está pouco confiante nas possibilidades de emprego para os ex-membros de gangues que forem libertados. "Quem vai dar emprego a um homem com três lágrimas tatuadas debaixo do olho, uma para cada pessoa que matou, como o sujeito que eu vi outro dia num vagão de metrô?", questiona.
Com a ameaça crescente de recessão econômica, Lombardo contou ao Comunidade Segura que também está preocupado com a continuidade da pesquisa acadêmica na área da segurança e do crime.
Você poderia descrever a sua experiência com gangues?
Fui policial por 30 anos e trabalhei 10 na divisão de crime organizado, com o crime organizado tradicional.

As gangues de hoje são como as de 20 ou 30 anos atrás?
As gangues mudaram dramaticamente, com o advento das drogas. Originalmente eram grupos de adolescentes que se encontravam nas esquinas. Eles se envolviam em pequenos problemas, bebiam um pouco de cerveja, vinho, fumavam maconha, mas depois deixavam essas coisas para trás e seguiam vidas normais.
O comércio de drogas mudou completamente as gangues, que se tornaram organizações criminais. Se você olhar as gangues nos últimos cem anos, eram grupos de criminosos adultos. Depois veio o grupo de sociólogos de Chicago e Frederic Thrasher começou a estudar as gangues como um fenômeno adolescente. Em Chicago, a
partir dos anos 1930 e 40 até o início dos 80, as gangues não eram criminosas, eram grupos de adolescentes.

O que fazem as gangues?
As gangues controlam vizinhanças por razões de território e elas defendem as suas comunidades de pessoas que são racial ou etnicamente diferentes. É assim que funciona desde a década de 80. Hoje nós temos essa fase seguinte de desenvolvimento, há crime, mas é uma forma limitada de crime, geralmente associada à distribuição de drogas.

E as idades dos membros das gangues mudou de acordo com a atividade?
Agora existe o fenômeno de pessoas mais velhas nas gangues. Nos anos 60 e 70, aos 21 as pessoas saíam das gangues, mas com a desindustrialização da sociedade americana, quando os empregos nas fábricas tornaram-se escassos para aqueles com menos educação, elas foram ficando nas gangues pelo trabalho no comércio de drogas. Hoje o trabalho nos EUA é concentrado no setor de serviços e gerenciamento.
Os empregos de fábricas mudaram de país. Assim, mais gente permanece nas gangues. Um líder pode ter 30 ou 40 anos. Por outro lado, não há um envelhecimento das gangues, porque muitos membros são presos ainda com 20 e poucos anos, e por causa da sentença podem acabar desistindo do crime e fazer outra coisa.

Então as gangues não estão associadas diretamente à violência nos EUA?
Violência é um problema também, mas ela é associada ao comércio de drogas. Os conflitos estão relacionados aos territórios de distribuição.

Existe o receio de que com a onda de pessoas saindo da prisão poderá haver um aumento das gangues. Isso faz sentido?
Não sei se é tão simples. Podem virar alcoólicos, se tornarem dependentes do estado, passar a assaltar bancos, não sabemos. Mais gente está saindo da prisão do que em qualquer outro tempo na história. Posso entender que isso gere apreensão, mas não participo desta preocupação.
Houve uma mudança na filosofia correcional americana nos anos 80. A ênfase mudou do foco na reabilitação para a compensação pelo mal feito à sociedade, e portanto foram feitas sentenças mais longas. Crimes relativos a drogas também aumentaram a população carcerária. Usuários recebiam sentenças severas, e continuam recebendo.

O crime caiu muito nos EUA. Seria por que há mais gente encarcerada?
O que se lê é que não há um fator único que tenha contribuído para a redução das taxas de crime. Abortos também são apontados como tendo um papel nisso. Não sei se é verdade. A natalidade caiu, então há menos jovens para cometer crimes.
Outros apontam para o policiamento comunitário, o que eu pessoalmente questiono.
Certamente há um efeito cumulativo sem uma causa única determinante.
Curiosamente, a literatura aponta que o crime também caiu em outros países industrializados. Estudos no Canadá e na Nova Zelândia mostram grandes quedas, com variáveis diferentes.

O que acha da afirmação de que a prisão ajuda as gangues?
Visito prisões com meus alunos Há uns 10, 15 anos. Antes havia campus abertos, os prisioneiros podiam sair das celas, tirar livros, ir à ginástica ou ter um emprego. O campus era dividido em áreas pelas gangues, então a prisão era a continuação da experiência de gangue. Hoje muitas prisões são fechadas, ninguém sai das celas a não ser para uma caminhada e um banho diário. Há um confinamento semi-solitário, o que destruiu o controle das gangues sobre as prisões.

Há mudanças a vista?
Talvez, com o novo presidente e nova administração. Sempre houve uma preocupação sobre as prisões serem punitivas demais, que devemos fazer um trabalho melhor com reabilitação. Mas com o clima da economia, acho difícil que isso vá ocorrer. Ninguém quer pagar mais, fazer os investimentos para que criminosos possam ter uma vida melhor.

E para os ex-detentos?
Há um deficit grande de agentes de ressocialização para acompanhar aqueles que saem da prisão em liberdade condicional. Um agente pode ter, digamos, 500 pessoas para controlar. Se fossem 10 ou 20. seria outra história, mas não há muito o que se fazer numa entrevista de 20 minutos de vez em quando.

Ex-membros de gangues conseguem empregos depois que saem da prisão?
Outro dia eu vi no metrô um homem com três lágrimas tatuadas sob os olhos, o que significa que matou três pessoas. Ele fica estigmatizado e, se voltar para a sua comunidade, não imagino que consiga um emprego. Por que alguém empregaria um ex-prisioneiro quando tantos não-criminosos precisam do emprego?

O que funciona contra as gangues?
As gangues certamente são uma prioridade, uma ameaça e um problema social. As pessoas tem que entender que a lei existe e que suas ações terão consequências.
Empregos e educação certamente fazem parte do quebra-cabeça, mas outras coisas podem ser feitas, como reabilitação e controle da imigração.

É possível distinguir gangues e crime organizado?
Como organizações que distribuem drogas, as gangues são sim crime organizado, tem estrutura organizada e importam cocaína. Alguns colegas meus podem disordar, mas eu chamo de crime organizado. Por outro lado o comércio de drogas muda. O uso do celular dificulta o rastreamento dessas atividades pela polícia. Menos violência das gangues reduziria a atenção policial.

As iniciativas da sociedade civil ajudam na prevenção à violência?
Sempre houve iniciativas de trabalho preventivo importantes, que vão desde o Cease Fire project (Projeto Cessar Fogo) até o YMCA, a Associação Cristã de Moços. Historicamente há grupos da sociedade civil que ajudam jovens a sair das gangs, oferecendo ginástica, futebol, beisebol, basquete.

Como se pode medir os resultados?
Como polícia nós medimos a violência das gangues, contabilizamos tiroteios, somos burocratas. É difícil quantificar a prevenção. A polícia tem uma mentalidade estreita, enquanto os acadêmicos observam outros aspectos, como reabilitação. Mas o dinheiro e os investimentos vão de qualquer modo, para as forças da lei.

Há alguma novidade promissora em relação às gangues?
Há bons trabalhos no campo acadêmico, como o de John Hagedorn, da Universidade do Illinois. Seu livro A World of Gangs (Um Mundo de Gangues) oferece toda uma nova perspectiva no estudo das gangues. Há ainda a questão do policiamento inteligente, que tem potencial. Órgãos policiais maiores, como o FBI e outros, podem ir mais longe do que a delegacia da vizinhança, que tem foco nas ruas. Eles têm acesso a escutas e investigações de nível nacional, então parcerias entre a polícia local e o governo federal são promissoras para a captura de líderes de gangues. Desmantelar a liderança é mais útil do que prender peixes pequenos. Outra forma é o confisco de patrimônios em poder de criminosos, usados para as suas atividades.

O que poderia levar ao fim das gangues?
Não acho que jamais isso vá melhorar porque os empregos industriais estão desaparecendo. Poderíamos considerar a descriminalização das drogas.
Descriminalizamos o álcool e isso ajudou a desmantelar gangues que faziam comércio ilegal de bebidas. Mas, além de não haver ambiente favorável para a descriminalização, essa não seria a solução. As drogas continuariam a ser proibidas para menores de 21, o que não eliminaria completamente a necessidade das gangues.

Qual o papel das mulheres nas gangues?
É provavelmente o mesmo que foi no seu surgimento, nos anos 20, quando ainda não era um fenômeno adolescente. Elas oferecem cobertura, entregam drogas, carregam armas e até participam das vendas. Mas que eu saiba não agem independentemente dos homens.

As forças da lei têm uma visão única de como lidar com gangues?
Do ponto de vista de um policial, é uma guerra, uma guerra contra as drogas e contra as gangues. Os departamentos de polícia são muito burocráticos: precisam mostrar resultados, e são dissociados de problemas sociais.
// Fonte: Nova Criminologia. Traduzido por Marina Lemle

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